sábado, 28 de fevereiro de 2009

Nadja Reloaded ( parte 2)

Era isso que martelava sua mente desde que a mulher lhe pediu o convite, sabia que este martelar significava alguma coisa embora não acreditasse em metáforas. E agora lá estava ele parado no marco da porta de sua sacada sem coragem de sair para apagar a luz. 

“Três passos para ir e três para voltar, não mais que isso. E não deve ser tão ruim assim ser atacado por uma mulher daquelas” pensava sorrindo com falso desdém. A luz está cara para deixar uma lâmpada ligada a noite toda. Sentia-se ridículo olhando ao redor, além do mais ele se perguntava se existia tal criatura que a um convite a impedisse de entrar na casa. O primeiro passo para a rua foi seguido de um calafrio maior que o de antes, o que o fez recuar de súbito.

 “De manhã apago” pensou, “sempre falei que tinha bons instintos, é hora de provar que acredito neles” fechou as janelas e deixou um bilhete para si mesmo lembrando de apagar a luz antes de sair para não mais passar por essa situação ridícula na noite seguinte. Repousou a cabeça no travesseiro de costas para as janelas, em poucos segundos resolveu virar para a janela, achava desde criança mais seguro se olhasse para as portas do que ficando de costas. “Chega de beber” foi à última coisa que passou pela sua cabeça antes dos sonhos de sempre tomarem seu lugar.


 Acordou suado, com o lençol enrolado em seu pescoço talvez em uma forma esdrúxula de protegê-lo do que estaria por vir. “Vampiros”, pensou com um sorriso, “é incrível como de dia os medos da noite se esvaem e parecem ridículos” abriu a janela para desligar a luz e a encontrou apagada, foi até o interruptor ainda pensando que aquela teria queimado e acionou o interruptor, não estava.

O dia seguinte, turvo, sonho, vultos, luz demais. Só à noite lhe importava. Ao anoitecer já caminhava pela rua deserta, o bar, fechado, vagou por algum tempo, sem certeza do que pretendia. “Nadja”, um sussurro quase dentro de sua cabeça. Virou-se de súbito e as ruas, vazias. Tornou a virar e observou um vulto desaparecendo na esquina, um vulto familiar, familiar como o frio que lhe percorreu as costas. Ela agora possuía um nome. Ele, cada vez menos.


 Voltou para casa cedo, um banho para relaxar, o espelho lhe mostrou pálido e cansado, o chuveiro quente e as noites frias não estavam ajudando. Na sacada, a luz acesa. Respirou fundo, “três passos”, pensou. “Agora ou nunca” e dirigiu-se ao interruptor, apagou a luz e antes de virar já sabia o que lhe esperava. Virou-se em direção ao quarto, Nadja. Ela sorria. Sentimentos e sensações passavam por sua cabeça, medo, dor, angústia, culpa, mas o que mais lhe estranhava era seu sentimento de alívio. Alívio pelo inevitável, o encontro inevitável. Estranhamente, sem dizer palavra, ela deu um passo para o lado e ele jogou-se para o quarto – “não a convidei” – pensou. Ainda sorrindo ela fitando seus olhos e, sem palavras, pede para ser convidada. Ante a hesitação dele, Nadja ainda sorrindo anda dois passos para dentro do quarto. Um turbilhão toma seu corpo e o arremessa para seu sonho.


 A voz suave, sussurro, “você achou que teria força suficiente para me manter fora do quarto? Não basta não me convidar, você precisa não querer que eu entre”.

Suava ao acordar, tateou seu pescoço, examinou tudo que pôde do seu corpo estranhamente dolorido, como se tivesse tido uma noite difícil, “uma noite difícil, sim, foi isso”. Tentou levantar e suas pernas não lhe obedeciam, uma onda de desespero tomou-lhe de súbito, imagens formavam-se atrás de seus olhos, o sal em seus lábios remetia as horas sem lembrança da noite anterior. “Ela precisava ser convidada, isto não está certo” repetia ele consigo mesmo. Por fim conseguiu levantar-se se dirigindo ao banheiro, espelho, “estarei lívido? Um morto-vivo?” a mesma pessoa que dia após dia lhe espiava do outro lado do espelho ainda estava lá, incólume.
Perto do meio-dia resolveu que deveria enfrentar as horas de luz que ainda lhe restavam, não sabia mais quem era, o quanto estava perturbado. Sabia que agora carregava um fardo, realidade ou delírio, não sabia o que era pior, esquizofrenia ou vampiros. Desejava não estar louco, entretanto para aceitar isso uma vampira lhe visitaria todas as noites.


“Sonho, um sonho muito real, mas um sonho. Acontece toda hora, pessoas sonham, acreditam que tem visões, mas apenas sonham.” Fome, de comida, de certa forma isso o tranqüilizava, não sentia aversão ao bife com fritas ou a salada de tomates que almoçava, a carne bem passada de sempre ainda o agradava, a imagem do sangue gotejando do bife não lhe atraía, ainda não era um vampiro. De qualquer forma precisava contar para alguém, ao menos tinha uma boa história.





quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Nadja - reloaded (parte 1)

A música das risadas e o tilintar das garrafas em noites mal dormidas combinavam com o esmalte descascado segurando cigarros e copos de cerveja, os saltos que rasgavam o silêncio das calçadas, agora inaudíveis entre o arrastar de cadeiras e a televisão ao fundo. Mais uma noite em busca do que não reconhecia em si mesmo e esta chegava ao fim deixando-o novamente no início.
Entretanto, algo havia mudado, a música diminuiu com a luz e o tempo se expandiu quando ela entrou, não pôde ver seu rosto, algum brilho nos olhos escuros e nos lábios vermelhos o resto, sombra. Flutuava pelo bar parecendo conhecer seus caminhos embora nitidamente não pertencesse ao local. Em outro momento seria divertido para ele ouvir o movimento das cadeiras e dos pescoços naquela direção, mas sua atenção se encontrava nos movimentos sutis dela. Perdido, sua busca terminara.


Tentou levantar e não obteve resposta de suas pernas, lhe traíram, ela encontrou alguém, uma troca de olhares bastou para a devoção eterna, um rabisco em um guardanapo um endereço ou telefone, envolveu-o em seus braços colocando os lábios em seus ouvidos, sussurrando de olhos fechados, abertos agora. Perdido. O toque do garçom as suas costas o trouxe de volta à mesa com o copo de cerveja quente entre seus dedos, avisava que já estavam fechando. De pouco lhe adiantava saber as horas, já era tarde.
Chegou a sua casa, alguma dificuldade de abrir a porta, mais que a usual, deixou o banho para a manhã seguinte e despencou na cama, fechou os olhos, mas continuava a enxergar os que lhe fitavam e assim adormeceu.

Fim de noite difícil e ao acordar perto do meio-dia sentia-se mais cansado que nunca – velho demais – pensou.

“Férias na cidade são complicadas” murmurou, sair para almoçar era sua prioridade mais por costume que pela fome que não sentia. Costumava descer os seis lances de escada que separavam seu apartamento no terceiro andar do térreo, mas não naquele dia, a espera do elevador lhe parecia mais confortável, o espelho devolveu o olhar pálido que lhe lançara “olheiras como essas, ainda bem que estou de férias” murmurou - Os primeiros passos na calçada fora do prédio lhe devolveram o equilíbrio, tudo parecia bem agora. Almoçou como de costume em um restaurante próximo, fechou os olhos por um instante e pode ver o rosto da mulher do dia anterior, sentada em sua janela, pedindo a permissão para entrar que ele insistia em não dar, quase como uma brincadeira.


Sem deixar de sorrir ela cai de costas para a rua, quando pensou em ir à janela uma sirene o trouxe de volta a realidade.

 Os dias seguintes se sucediam rapidamente, voláteis, perturbados. Na sexta feira voltou ao bar para procurar a mulher que povoava seus sonhos com desejos. Duas cervejas depois e já pensava em dormir, quando súbito, o tempo parou, conhecia sensação, seus olhos dirigiram-se para a porta a tempo de ver o vulto de uma garota, não era a mesma, outro cabelo, outras roupas e quando ela voltou-se para seu lado os olhos lhe encontraram; os olhos que não conseguia esquecer e, desta vez, vieram com um sorriso. Tentou caminhar até lá e suas pernas novamente lhe abandonaram, não era preciso, ela vinha na sua direção. Desviou os olhos na medida do possível, não era. 


Quanto mais próxima mais lentamente o tempo passava, chegou perto de seu ouvido e murmurou “tudo que tens que fazer é me convidar para entrar...” novamente seu mundo entrou em colapso e o copo de cerveja quente o acordou ao tocar em seus lábios. Ainda não era madrugada, o bar estava em funcionamento normal, cheio. Procurou por todos os lados, mas já fora embora, provavelmente acompanhada. “Que ela quis dizer com aquilo?” pensou. Resolveu caminhar até em casa procurando entender o que acontecera, o movimento das ruas estava normal, alguns bêbados, alguma correria, carros, motos, luz, muita luz. E a voz que não saía de sua cabeça parecia ficar cada vez mais clara. “Não fazia sentido, para que convida-la? Por que precisaria de convite e porque eu não convidaria?” perguntava-se. Chegou em casa a pé, pegou o elevador e dirigiu-se ate seu apartamento. Entrou e abriu as janelas, precisava ar puro. Sentou em uma cadeira na sacada, fechou os olhos e pensou em adormecer quando um calafrio percorreu sua espinha quando lembrou uma conversa de anos antes e voltou correndo para dentro de sua casa, parecia mais seguro lá. Um amigo lhe dissera certa vez “se procura passarinhos deve procurar de dia, à noite só andam os morcegos, nunca convide alguém que você só encontre a noite para entrar em sua casa, eles estão por aí”.